domingo, 8 de dezembro de 2013

Conto: Secretária

Resultado de imagem para máquina de escrever


 Ela sabia que era. De modo que, enquanto lhe descia o almoço pelo avesso, o sorriso rompia os músculos endurecidos da face e lhe deitava um ar pueril, embora sem nenhuma verdade. Arroz feijão bolinho. A comida seca das crianças secas, distantes.
Mastigava os seus sessenta, setenta anos. Depois de ter subido-dinossauro as escadas largas, emergia dos protocolos, sentava-se maquinalmente. O que tornava a situação penosa era a tentativa de imprimir ao corpo um aspecto jovial, balançando de um lado para o outro os quadris engessados e os cabelos, desta maneira. Sua alma era uma infinidade de arquivos abertos e fechados.
Crianças pobres corriam no andar debaixo ou se esparramavam pelos colchonetes. Na sala dos professores, ela buscava a todo custo descolar aquela imagem grudada na pele, um couro fiscalizante, esforçando-se por demonstrar interesse pela leitura que a moça empreendia. Porém – trágica fatalidade! – não atingia a substância do texto. Uns conceitos saíram de sua boca como pedras. Contentou-se. Um alívio pôr-se à salvo daquelas palavras. Arroz feijão bolinho. Um gole de coca-cola e cada coisa tomou seu devido lugar.
Ela tentou olhar para o céu que se exibia detrás do vidro da janela. Em vão. Seus olhos estavam embaçados e sugavam com um sentimento de vitória cada objeto passível de ser avaliado. Ou de cometer erros. De longe, o coração batia devagar e denso. Respirou ofegante. Tentou ainda uma vez ser agradável, sentiu uma preguiça infinita de ser agradável. O que você está lendo? A voz soou professoral, caminhando por uma partitura torta no ar. um...l....livraqui.......... Balançou a cabeça e, no quase desespero, procurou novamente o céu, forçando as vistas através do vidro da janela. Sujeito. Sujeitar-se. Se levantou com uma tonelada em cada um dos seus oitenta quilos, o coração turvou. Desceu as escadas com pesar, formulou um começo de questão, desistiu. Deixou assim como estava. Ganhou a rua e pensou com carinho em um antigo amor, dos tempos de escola. Bobagem.