Ela sabia que era. De modo que, enquanto lhe descia
o almoço pelo avesso, o sorriso rompia os músculos endurecidos da face e lhe
deitava um ar pueril, embora sem nenhuma verdade. Arroz feijão bolinho. A
comida seca das crianças secas, distantes.
Mastigava os seus sessenta, setenta anos. Depois de
ter subido-dinossauro as escadas largas, emergia dos protocolos, sentava-se
maquinalmente. O que tornava a situação penosa era a tentativa de imprimir ao
corpo um aspecto jovial, balançando de um lado para o outro os quadris
engessados e os cabelos, desta maneira. Sua alma era uma infinidade de arquivos
abertos e fechados.
Crianças pobres corriam no andar debaixo ou se
esparramavam pelos colchonetes. Na sala dos professores, ela buscava a todo
custo descolar aquela imagem grudada na pele, um couro fiscalizante,
esforçando-se por demonstrar interesse pela leitura que a moça empreendia.
Porém – trágica fatalidade! – não atingia a substância do texto. Uns conceitos
saíram de sua boca como pedras. Contentou-se. Um alívio pôr-se à salvo daquelas
palavras. Arroz feijão bolinho. Um gole de coca-cola e cada coisa tomou seu
devido lugar.
Ela tentou olhar para o céu que se exibia detrás do
vidro da janela. Em vão.
Seus olhos estavam embaçados e sugavam com um sentimento de
vitória cada objeto passível de ser avaliado. Ou de cometer erros. De longe, o
coração batia devagar e denso. Respirou ofegante. Tentou ainda uma vez ser
agradável, sentiu uma preguiça infinita de ser agradável. O que você está
lendo? A voz soou professoral, caminhando por uma partitura torta no ar. um...l....livraqui..........
Balançou a cabeça e, no quase desespero, procurou novamente o céu, forçando as
vistas através do vidro da janela. Sujeito. Sujeitar-se. Se levantou com uma
tonelada em cada um dos seus oitenta quilos, o coração turvou. Desceu as
escadas com pesar, formulou um começo de questão, desistiu. Deixou assim como
estava. Ganhou a rua e pensou com carinho em um antigo amor, dos tempos de
escola. Bobagem.