MERCÚRIO
Garimpar avenidas
atrás de um ideal que se tenha perdido
para o reencontrar nos catadores da santa cecília.
Fevereiro de 2002
TEMPO
Formas que balançam,
brisas que transmutam,
âmagos que movem esferas
e me
ser.
Abril de 2002
ANDAR
Andar,
inverno manso se desprendendo.
Andar,
inverno manso e derradeiro.
Julho de 2002
GAROA
Beija a rua a garoa,
lambe a lua.
Pensamos no que vai ser
debaixo de nossas frágeis nômades cenas.
Consciência nos fatos e nos homens.
Hoje não chega o prato, o sino ecoa.
Parte apenas fica, o mais virá.
Novembro de 2002
LUTA
Não seja por falta de folha de tecer poema,
nem por branco de assunto
que digo o que quer que seja.
O esmalte arranhado, quebrada a unha, trilhos circunspectos.
Ereta.
Pé após outro.
Discreto ruído dos sapatos.
Quem resolverá nossas questões?
Pergunto à fina casca da espécie:
quem nos transcenderá?
Nossas discussões,
desamparos?
Senão uma fonte onde lavar os pés.
Novembro de 2002
PAISAGEM DE ALAÚDE
Fosse a madrugada um pássaro
a fremir asas sobre o telhado das casas.
O riacho é a véspera da maré.
E a lua fosse a dama prima
em seu véu de ambrósia e purpurina,
fosse a poesia mansa, cristalina,
a pena delicada, a menina.
Vamos nos atrasar, e u é?
De trás pra frente se faz memória,
memória boa de se lembrar.
Se na lembrança fosse tão cedo,
quase na hora de se jantar,
quase bem antes de namorar,
subir ao cume levasse à glória,
antes de nada viesse o medo,
eu bem pedia para dançar.
2003
TRECHOS
Trecho I
Tanta poesia toda pouca
parca palavra tinta rouca
louca quimera.
Trecho II
O rouxinol impera no galho.
O alho, o chá, o
x
e eu alheia na questão.
Trecho III
A noite cheia beija a lua.
Me embaraço.
Abril de 2003
OUTRA DA TARDE
O gato lambe o tempo lambe o gato.
A folha dança a vida dança a folha.
A pedra voa fica o belo da pedra.
2004
CLARA
Pétalas de rosas brancas,
pétalas de rosas flores,
pétalas de todos os cheiros que adivinho.
Amanheço luminário:
sol e lua,
calendário,
céu e pinho.
Junho de 2004
FINALIDADE
Para que se faça a prece que de mim também fizesse
a praia, a brisa, a beira, o ato de escrever.
Me cavoucar no plantio
do desapego, do desorgulho, do repreparo,
na busca humilde do poema.
Agosto de 2004
OUTRA DO VENTO
A palavra como sopro: menor.
Palha seca no telhado da parreira.
Broto verde no matinho do capim.
Mais do vento, menos de mim.
Gigante, operária, hercúlea, artesã.
Voz quieta plasmando nos cantos do espaço.
Novembro de 2004
CARTA
A vida prossegue e lhe anuncio que tudo bem.
O mesmo sol, novo prisma nas minhas retinas.
Mesmo céu, outros brilhos no meu peito sendo.
Mesmo chão, vário brotar das mãos que me sustentam.
Mesmo ar, diverso gesto dos meus pés singelos.
A carta prossegue e lhe anuncio que tudo bem.
Lenta preguiça de espetar versos no papel.
Manso marasmo de cantar duvidosos pensamentos.
Que valeria gastar a pena?
Sob o céu, anuncio que vai tudo bem
e a vida vai como tudo, de um porto a outro.
Fevereiro de 2005
MEDIEVALZINHA
no cinza de césar
na vila de pedra
na gente da aldeia
na curva da rua
no cume da onda
na ronda e candeia
o sol se esparrama
na lua que cheia
na mesa que falha
no inverno das horas
na flor das caçadas
no espinho das rosas
no louco que desce
o sol se esparrama
no breve que morre
no breu que entorpece
na praça que lota
mesmo que tarde
mesmo no escuro
mesmo sem conta
o sol se esparrama
sem nem um alarde
sem som de alaúde
sem ponta e sem nó
o sol se esparrama
como quem corre
como quem prece
como quem canta
como quem nasce
levanto sem pressa
e caminho.
Setembro de 2005
SERESTA
Trova azul no espaço imenso.
Festa das folhas à porta:
a nota ecoa na fresta,
seresta madruga
e atropela meu senso.
Dezembro de 2005
DIAS
Pão, luz, estrada
era assim
nos andarilhos adros
na errante empreitada.
Vazia vastidão dos impérios,
sobrava o minério de pedras da morada pobre,
pobre morada, que de tão parca foi cruz,
e de tão cruz foi espada.
Dezembro de 2005
PALAVRÁRIO
lua
dia de florir
maçã
campo de sol
sorrir
flores sãs
maissol
noite lençol
no rol
sonhos de cor
março
alto do monte
marco
campo de lá
eu par
me planar.
Janeiro de 2006
DE MANHÃ
Todo sempre o eterno que ao fim de cada noite se
infinita.
Junho de 2006
ALAÚDE
Começo das horas, canta meu coração.
Ressoa no escuro da noite.
Quando me encontro, me fujo, e se transpasso, me
calo.
Mesmo assim, canta,
mesmo assim, voa..
Colinas e riachos manhãs,
ave ligeira deixando este porto
à procura de um novo verão.
Mesmo assim, canta,
Mesmo assim, luta.
Catedrais inclinadas,
tesouro guardado em lugar tão profundo
que leva a cegar.
Mesmo assim, canta,
mesmo assim, passa.
Nos tropeços, no turbilhão,
arrimos de gente cruzando as espadas,
expulsos dos templos em nome de deus.
Canta, ainda assim,
canta meu coração.
Nas vilas dispersas, o abrigo das sobras na festa
dos poucos.
Nos loucos, nas soltas, nos presos,
nos cárceres d’alma sem fim a hora é imensa.
Canta, mesmo assim,
mesmo assim recomeça.
Setembro de 2006
TERRA
Luz de lampejo, cântaro de barro,
barra da saia, barra da lida,
fora da laia e dentro do sarro.
Modelo na argila a história das mãos,
inconfessas mães e frestas do olhar,
canções de ninar, o calor, a visão.
Outubro de 2006
PRIMEIRA DO SOL - FRANCISCANIHA
Gruta de expandir cantiga selvagem,
pés de chinelo e de fome debaixo do céu.
Gruta do fim das contendas, começo das tendas,
palavras nos sinos alegres para o alto de nós.
Gruta do som do alaúde cadente nos seus
passamentos,
Das luas a sóis despidos, Pai.
Pai das pedrinhas guardadas sem mais, sem barulho,
me ensina a sorrir quando presa,
a cantar, se inconfessa, a manter sempre acesa a
centelha.
Pai dos tecidos vazados, cordões e cascalhos,
me ensina a chorar, se contente,
a dormir, quando bosque,
a luar, quando prece.
2007
SEGUNDA DO SOL – CLARINHA E SHAOLIN
No dia em que chove à noite
meu coração se alegra
e abraça a brisa da água.
No dia em que chove à noite,
Trovador,
eu me floresto
2007
PASSOS
Apesar dos cascalhos, pulsar de poesia.
Apesar dos pavores, pulsar de poesia.
Tablado, gruta, rua, bosque:
pulsar de poesia.
2007
CANTIGA
Parece que se acalma
calma, onda luminosa
que se enredondilha menor
afora os redemoinhos da ilha.
Janeiro de 2007
SOL
(segunda)
Quero te ouvir mais uma vez,
tua voz calando profunda no centro do meu profundo
silêncio.
Quero te ouvir ainda esta vez,
teus pés perfeitos amparando minha vida difusa.
Quero te ouvir uma vez mais,
não como despisse palavras escassas,
mas como fizesse dia na noite dos meus sentimentos.
Abril de 2007
POEIRA
Tinha nas mãos um milagre lilás e borboletas na
vastidão.
Tinha um vento dispersando a branca poeira nos
confins do horizonte.
Tinha um coro de vozes e cantos que não se
descreve.
Tinha uma certa delicadeza nos olhos de abismo
e um arco-íris jorrando dos lábios lumiados.
Setembro de 2007
MEDIDA
Segregado do ônibus, nau ilhada em si mesma,
a todos fazia festa e com muitos conversava.
Estava só.
Suas palavras rodopiaram giratórias no eco da rua
sem intensidade para chegar ao ouvido de quem
passava,
e nem força para se manter entre os que esperavam o
ônibus sair.
Tirou o metro da bolsa e disse:
- Vou medir quantos metros quadrados tem essa
praça.
E acrescentou:
- Mas essa praça não é quadrada.
Nós é que somos quadrados, seu moço.
Sem curvas.
Só quinas, cantos e ângulos retos, seu moço.
2008
ENCONTRO
I
Coisas que vejo através da janela:
cabelos lisos ventando
mansa lágrima magma fonte
céu-coração menestrel
espadas pedras da novigreja
subir no telhado.
Sol claro, branca Lua.
II
Coisas que vejo através da janela:
antigo bosque planície clarão
galhos de árvore pontilhados
mato molhado chão de riacho
pé descalço pedaço de pão
tribo sem teto alargado cordel.
Sol claro, branca Lua.
III
Coisas que vejo através da janela:
cortar cabelo na beira do rio
cachoeira de estrelas via láctea
andarilhos pontes capim
cantiga cantoria cantar
pássaro bicho novo horizonte.
Sol claro, linda Lua.
2009
OLHOS
Para exprimir, a título de pausa:
A planta do jardim em-si-cabendo de plenitude.
Folhagem branca salpicando o algodão.
Se ele não estivesse dormindo,
havia de se encantar com os objetos que agora
sinto.
Luzes no céu como os olhos vivos
do meu anjo da guarda fitando-me do espaço.
2010
GRIPE
A gripe levou os sonhos.
A gripe levou crianças.
A gripe lavou as mãos.
A epidemia está nas almas,
nos braços que se erguem,
nas mentes que articulam.
A epidemia está nas cidades,
nas enchentes fartas
e na fria condução.
É necessário usar antisséptico,
mas nós tiramos as máscaras,
e não lavamos as mãos
e nós mantivemos os olhos acesos.
Para que não morresse a poesia.
Para que não morresse a criança.
Para que não lavasse o desejo.
Para que não apagasse a fé.
2010
MUNDOS
O povo armênio –
deu na televisão –
teve uma guerra mundial.
Ninguém falou nada, porque era noite.
Aqui chove, de verão.
Haiti, caleidoscópio exilado.
São Paulo, Polo Norte, Plutão.
O povo polonês –
deu na televisão -
teve uma guerra mundial.
Ninguém falou nada, porque era noite.
Um beijo no rosto, um sorriso
e, afinal, o mundo já se esqueceu da Armênia...
Porém nós, despertos, queremos o dia.
Nós, despertos, queremos a luz
e a flor que se irradia branca.
Queremos as flautas
e queremos de volta o nosso violão.
Nós, que estamos despertos,
queremos sorrisos nos pratos do Sudão.
2010
QUANDO
Quando você repentinamente abriu a porta e disse
uma emoção,
ouviu-se música e uma lágrima vidrou,
quando você falou que o mundo era de passagem.
O momento ficou em suspensão.
Que fazer nesse tempo de partidas e chegadas,
nós,
que estamos no meio do termo?
O chão colorido das cidades do trem permaneceu no
tablado.
Cavalos foram e voltaram com guardas frágeis
e nós, pequenos.
Furacões, terremotos, aridez nas almas e nos corpos
empedrados,
Estátuas de sal.
Um rio em movimento, corpo que dança no espaço.
Mas acima do que sabemos, paira o sol indefinível e
imperturbável.
2010
FAMÍLIA DE JAMBO
Cata noite, passa vento,
chegou a família de jambo jambeiro brasil.
Aportou. Terra à vista.
Veio a morena sorrindo de cupuaçu.
Terra de Santa Cruz.
O vô que pra ela era pai.
Cata o vento, voa a noite.
Cara escondida detrás dos cabelos do norte
mais o carro de boi na estrada de arara.
Muitos braços chegaram mais fortes chegaram.
Sem asas de ribação, que foram cortadas pra não
voar de volta.
Nunca mais.
Março de 2010
NOTÍCIA
A chuva lambeu o morro e todos os pobres
derreteram.
2011
BANDEIRINHA NÚMERO 1
O que adoro em ti
são os pés em cima do morro.
O que adoro em ti é a vida.
O que mais adoro em ti
é este vestígio de estrelas.
O que adoro em ti é a vida.
O que mais adoro em ti
é teu ímpeto liberto.
É a vida, é a vida, é a vida...
Caminho feito dum fio de crochê.
2011
BANDEIRINHA NÚMERO 2
O que adoro em ti
são teus pés por cima dos montes.
O que adoro em ti
é o estribilho de estrela
escrito na folhagem.
Árvore à noite.
O que mais amo em ti
é teu implícito encoberto segredo,
mais tua transparência diurna.
É teu ímpeto liberto.
O que adoro em ti
é teu vento puríssimo no alto das galáxias.
Mais: a delicadeza de um caminho
encaracolado para a alma,
feito apenas de um fio de crochê.
O que eu adoro em ti
é a vida.
2011
ARCA DE NOÉ
Choveu por três dias e três noites.
Estarrecidos ilhados ficamos, em uma arca ancestral.
Estarrecidos ilhados ficamos, em uma arca ancestral.
Vieram pássaros com verdes ramos e ares de porvir.
O arco-íris se quietou.
- Você só conta história de
natureza?
- Você só fala do sol e da lua?
Em que lugar, então, haveria de me encontrar,
espelhada, desconhecida e crua?
2011
JANELAS
Cedo-manhã
poema abre as janelas
para o sol lavoura.
2011
NORUEGA
Rio que flui quando me passarinho.
Borboletas alvoroçadas.
Mundo feito um casulo.
2011
PLANÍCIE
No verde andava o menino a trilhar.
Roupas toscas, parcos trapos,
trilhar.
No mato corria o menino a trilhar.
Sem fita, sem prato, sem sino,
trilhar.
No fogo e na neve o trovadorzinho corria,
linda lua, bosque imenso.
E aos ríspidos sonhos de pedra
o trovador respondia:
- bom dia.
2011
FEMININA
Ela se erguia.
No alto do inverno,
um sentimento triste, triste nas pessoas.
Ela se erguia.
Era uma festa
a árvore rosa no alto do muro.
Florida, rosa, festeira por cima do muro.
Julho de 2011
GENTE
Homem e cão pedindo na calçada.
Gente passando.
Se compadecendo.
...Um cachorro tão bonito...
Julho de 2011
PRIMAVERA
Vento cheio de flor
e o sol molhando tudo.
Outubro de 2011
SEM TÍTULO
Poema bebido na ponta das galáxias,
soprado como um vento luminoso.
Novembro de 2011
LAVADEIRAS
Sobre o movimento das coisas,
é de se pensar que seja somente o movimento
a finalidade.
Um contínuo sem-fim,
ponto final alongado em reticências,
primeiro beijo do primeiro namorado,
ou as horas se espreguiçando vagarosas
na cantilena das lavadeiras que sobe dentro das
bolhas de sabão.
Dezembro de 2011
POEMA VERDE
poema verde da mata
poema dos canteiros
poema do cais
poema dos porões
poema vivo, palavra forte.
palavra das marmitas duras
palavra das asas veladas
palavra do eterno sim
poema verde no mar de espuma
poema forte, sem fronteira
Dezembro de 2011
MULHERES
Mulheres índias cercadas de proles, colares e
argilas.
O poema como força de trabalho.
Março de 2012
NA SÍRIA
Uma parede cheia de janelas para brilhar os olhos.
Um teto aberto até o infinito para vazar palavras e
alcançar
os ouvidos de deus.
Fumaças nevoeiros um pedaço de mato verde.
Gente.
Agosto de 2012
LUZ
Colinas correndo até a nascente cascatearam.
A borboleta sinuoseou no solo-céu, branca e luz.
Se eu tivesse um tecido para estender daqui até lá
longe,
estendia, ô vida.
Se pudesse trazer o sol todinho aqui para dentro,
trazia, ô vida.
Se pudesse escrever em vermelho liberdade,
escrevia, vida vida.
Agosto de 2012
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